domingo, 24 de janeiro de 2010

AS APARÊNCIAS E A VERDADE


Por: Dom Eugenio Sales - Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro



A sobrevivência de um povo como nação pressupõe o respeito á autoridade civil e á contribuição leal para o bem comum. Por outras palavras, é necessário: o cumprimento dos deveres, e não apenas a exigência dos direitos. O poder que vem de Deus para serviço aos irmãos e ás actividades dos cidadãos, conforme a ética, estabelecem os alicerces desse edifício.
Entretanto, algo mais se requer: um espírito que anime essa estrutura e a preserve da decomposição. Refiro-me a um carácter íntegro das pessoas no meio civil e também eclesial.


A actual aceleração do ritmo nas transformações sociais, políticas, económicas e culturais, gerou súbitas e profundas alterações no sistema de vida comunitária. Em consequência, há uma desfasagem entre os valores de ontem e os de hoje, acobertando-se muitos num clima de ambiguidade. A fuga a uma definição clara de posições, por trazerem problemas e dificuldades no relacionamento humano, leva a uma nefasta opção pela penumbra, o lusco-fusco. A luz cede lugar á sombra, ou, o que é mais grave, ás meias verdades. Estas multiplicam monstros, germes fatídicos que mutilam reputações e destroiem criaturas, mais facilmente que a própria mentira ou calúnia.
Matam, sem derramamento de sangue, num homicídio mais doloroso que o cometido por facínoras, no sentido habitual da expressão. Na origem dessa degenerescência há o medo, ele constitui o grande mal dos nossos dias, o que nos leva a alterar actitudes correctas diante da pressão da opinião pública. Sem discernir, aceita-se o que se propala, sem distinguir o falso do verdadeiro. A abdicação da autonomia pessoal possibilita a volta da tolerância, habitualmente manejada por uma minoria que a catalisa para os seus fins escusos.


Recordemos o Evangelho: "Seja o vosso 'sim', sim e o vosso 'não', não" (Mt 5,37). A objetividade dos julgamentos não pode ser relegada para um ponto inferior e os abusos e os erros assumem posições incompatíveis com a autenticidade na esfera civil e também eclesiástica. O posto do árbitro se converte em arbítrio.


As consequências são funestas.
A falta de sinceridade no tracto corrompe o sadio relacionamento social. Por exemplo: o natural desejo de saber as últimas notícias pode-se transformar em ânsia doentia, levando os fracos de carácter a revelar episódios sem um prévio exame da sua autenticidade. Gera um clima funesto que propicia dolorosas injustiças quanto ao direito sagrado que é a boa fama. Uma vez lançada a mentira, mais grave ainda se possui a parcela de veracidade, deforma-se a reputação do próximo e rouba-se um tesouro á respeitabilidade alheia. Por vezes, o dano é irreparável.


A um ladrão impõe-se uma penalidade; a esses larápios da fama alheia, mais prejudiciais que os primeiros, pouco se lhes dá como castigo de um verdadeiro crime. A opinião pública, formada subtilmente pela propagação de versões falsas, exerce, nos nossos dias e através da fácil comunicação das ideias, uma real e insuportável tirania. A imagem do outro fica á mercê de indivíduos que destroiem alguém enlameando-lhe a honra.
Uma mente doentia tenta saciar-se na procura de escândalos, na inútil tentativa de justificar as próprias mazelas. A busca de cargos ou o empenho em fazer vencer opiniões, facções ou correntes de pensamento tecem genuínas teias que envolvem os incautos. Estes se tornam, inconscientemente, fautores de males inumeráveis, incomensuráveis.


Essa situação indigna de um cristão ou simples homem de bem pode penetrar no santuário.


Por isso, o Concílio Vaticano II, no documento sobre o ministério e a vida dos sacerdotes, ao tratar da eficácia da sua missão no mundo, declara: "Para cumprirem tal meta, muito contribuem as qualidades que gozam de merecida estima na convivência humana, como sejam: bondade de coração, sinceridade, coragem e constância, o culto vigilante da justiça, a delicadeza e outras que o apóstolo São Paulo recomenda (Fl 4,8)". E inclui um trecho de São Policarpo (Comentário á epístola aos Filipenses, VI, 1): "E os presbíteros sejam inclinados á compaixão, misericordiosos para com todos, reconduzindo os extraviados, visitando todos os doentes, não esquecendo as viúvas, os órfãos e os pobres; mas solícitos sempre do bem junto de Deus e dos homens, abstendo-se de toda a ira, acepção de pessoas, juízos injustos, afastando para longe toda a avareza, não acreditando facilmente contra alguém, não demasiados severos nos juízos, conscientes de que todos somos devedores do pecado".


A honra e as demais virtudes que caracterizam um homem de bem constituem o esteio das instituições.
O apreço que se lhes deve é sinal da dignidade humana. Ao contrário, se não existem ou são desprezadas, enfraquecidas, inúmeros danos eclodem na comunidade, inclusive religiosa.


Jamais se constrói uma pátria digna desse nome ou se preserva a Igreja de muitas deficiências sem as virtudes humanas devidamente apreciadas. Esses hábitos são essenciais á harmonia e ao respeito mútuo, bem como ao relacionamento entre pessoas probas. Sobre esse patamar e somente nele se edifica uma vida cristã autêntica. Antes de alguém ingressar pelo batismo na instituição fundada pelo Senhor, o candidato é admitido no convívio temporal, isto é, nasce.


A formação correta de um redimido pelo sangue do Redentor inclui a dignidade pessoal.

Católicos ou não, tenhamos consciência de uma condição para vencer a decomposição social: ter um carácter bem formado.


Ser um homem honesto, não importa as consequências.
A verdade independentemente do número dos que a aceitam. Somente ela nos libertará: "A verdade vos libertará" (Jo 8,32).


Tirado: http://www.pastoralis.com.br/pastoralis/html/modules/smartsection/item.php?itemid=371

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O CAMINHO DO DEVER



A criança que, desde os mais tenros anos, for educada na honestidade e rectidão, cumprirá nobremente o seu destino quando se tornar homem, e atravessará a vida sem perigo de naufragar. (PLATÃO)


Conheces a história de Hércules, o maior herói das lendas gregas?
Foi um modelo de força e de bravura. Criancita ainda, sufocou duas serpentes que um inimigo, no malvado intuito de o fazer perecer, tinha-lhe colocado no berço. Mais tarde, matou a hidra de Lerna e o touro de Creta; venceu as amazonas; limpou as cavalariças de Ogias; apoderou-se dos pomos de ouro das Hespéridas ...


Ora um dia aconteceu encontrar-se na bifurcação de dois caminhos.
Qual deles seguiria?

Escola do caminho a seguir:


Era chegado a época da adolescência. Duas mulheres se lhe apresentaram, e uma delas, tomando a palavra, dirigiu-se-Ihe nestes termos:


_ «Vejo, Hércules, o teu embaraço por não saberes como conduzir-te na vida. Não te preocupes mais. Ségue-me e eu te levarei por um caminho agradável onde só conhecerás prazeres. As dificuldades desaparecerão por si mesmas. O teu único cuidado será comer e beber. Vem. conheço o caminho do prazer fácil."


_ «Como te chamas ?» - perguntou Hércules.


_ «Os amigos chamam-me Felicidade; os inimigos, Vício.»


Voltou-se por sua vez para ele a segunda mulher e disse-lhe:


_ «Não quero de modo nenhum fascinar-te com falsas miragens. Prefiro dizer-te a verdade em toda a sua rudeza simples. Os deuses, Hércules, não concedem a felicidade, sem luta. Por isso, se me seguires, o teu trabalho será penoso. Se quiseres que a Grécia te honre por uma vida virtuosa, esforça-te por colaborar com ela no bem geral. Se desejares que a terra te prodigalize riquezas, toma a charrua e trabalha. Se aspirares a que a vitória te sorria no campo da batalha, vai a casa dos heróis e exercita-te no manejo das armas. Se, finalmente, quiseres que os teus músculos sejam rijos como o aço, sujeita o corpo ao espírito, suporta o pesado fardo da existência e sofre.»


- «Repara, Hércules, - interrompeu o Vício - como é duro o caminho por onde esta mulher deseja levar-te, enquanto eu te conduzirei tão fàcilmente à felicidade!»....


- «Miserável- gritou a virtude - que felicidade podes tu dar? como te atreves a pronunciar sequer o nome de felicidade, se nada fazes para adquiri-Ia? Tu comes antes de ter fome e bebes antes de ter sede. No calor do estio reclamas neve. Queres descansar sem ter feito nada. Levas os teus sequazes ao amor ântes da idade prefixa pela natureza. Tu desonras a terra com a impudicícia do homem e da mulher. Habituas os teus partidários a praticar o mal durante a noite e a dormir durante o dia. Embora sejas imortal, os deuses evitam-te e os homens de bem desprezam-te. Teus jovens amigos arruínam o corpo e os mais velhos, a alma. Na juventude sacía-Ios de prazeres até os cansares de tédio para depois, quando atingirem a idade madura, os transformares em pobres vencidos da vida.


Quanto a mim, convivo com os deuses e com o melhor dos homens. Nenhuma acção digna se faz sem mim; por isso os deuses e os homens honram-me. Os artistas veneram-me como seu amparo e os pais de família constituem-me guarda dos seus lares. O pão e o vinho têm um sabor agradável na boca dos que me seguem, porque só comem quando têm fome e só bebem quando têm sede. O sono é-lhes mais suave do que ao preguiçoso, porque não lhe sacrificam nenhum dos seus deveres. Os amigos estimam-nos.; a Pátria honra-os. E, quando chega o momento derradeiro, não são lançados no esquecimento; a sua memória continua a viver. Hércules, descendente de uma raça ilustre, se agires assim, adquirirás uma glória imortal.»


Isto li eu na história de Hércules, no terceiro livro dos Memoráveis de Xenofonte. Contei-to, - meu filho, porque também tu te encontrarás em face de dois caminhos, segundo as palavras da Escritura: «Os desejos da carne são contrários aos do espírito» (Gal. V; 17). Também tu serás obrigado a optar por um deles.


Fonte: Tihamar Toth - Juventude Radiosa - Quadrante

Retirado de: http://razoavelcrer.blogspot.com/2009/06/o-caminho-do-dever.html