domingo, 2 de agosto de 2009

PRINCIPIOS ECONÓMICOS DA NOVA CONSTITUIÇÃO [1]

Discursos do Dr. Antonio de Oliveira Salazar


CAPITULO IX


Principios económicos da nova Constituição


Este discurso, proferido na sede da União Nacional, no dia 16 de Março de 1933, pode considerar-se como um complemento do de 30 de Junho de 1932. O discurso estava destinado á cidade do Porto de onde foi transmitido pela radio. Nele se encontram as principais linhas directivas do pensamento de Oliveira Salazar.


I - A crise do pensamento económico


É hoje o dia seguinte ao da catástrofe do dólar, estamos a um pouco mais de um ano da queda da libra, e provavelmente em vêspera do desmoronamento de quase tudo o que ainda aparenta estar de pé. Fenômenos de tal gravidade como estes seriam bastantes para encher um século, se diversos acontecimentos extraordinários sucedendo-se em prazos curtíssimos, não tivessem despertado nossa sensibilidade.


Vemos como se quebram, umas atrás de outras, as orgulhosas construções económicas do nosso tempo: a politica dos cartéis poderosos, a politica dos trusts formidáveis, a politica dos salários altos, a politica da sobreprodução, a politica do crêdito superabundante, a politica das valorizações artificiais, a politica dos grandes gastos públicos, a politica dos consumos excessivos, a politica dos nacionalismos exclusivistas, a politica do Estado policia que não faz nada, e a politica do Estado produtor que pretende fazê-lo todo.


Em todos os climas e em todos os continentes, as medidas mais opostas, as orientacoes mais encontradas, produzem só ruinas; nas finanças públicas, no crédito, nos capitais, na propriedade, nos salários, no mundo do trabalho se amontoam os escombros de uma devastação sem igual. Parece que nunca houve tanta desgraça nem tanta miséria, e nem sequer puderam fugir delas os que acreditavam poder desafiar o mundo com a extensão dos seus territórios e as montanhas de ouro de suas riquezas. O momento económico e social não pode estar mais perturbado, nem pode estar mais obscuro.


E precisamente quando ainda não se adivinha a luz que há-de alumiar os novos tempos, e quando os homens do governo vão lançar um projecto de Constituição das grandes linhas da construção futura? Muitos o julgam ousado; não poucos o crêem, ao menos, prematuro. Pois bem, eu que nos momentos de alucinação colectiva temo mais os remédios que os males, creio que é este o momento oportuno de traçar nesta pequena casa portuguesa, cujos os interesses a nada importam no mundo mais que a nós, as grandes linhas directivas de seu governo, os princípios fundamentais de sua estrutura económica, o espírito, por assim dizer, de sua actividade e de seu trabalho.


A fase aguda da presente crise está a ponto certamente de passar, como antes desta passaram outras que parecia que o mundo não era capaz de resistir.


Mas uma coisa são os sintomas que podem desaparecer, e outra a doença profunda que mina a vida económica e social, que multiplica a crise e as faz cada vez mais violentas e mais devastadoras, que engendra este mal estar permanente, que ameaça em certos momentos tudo o que a humanidade acumulou em séculos de trabalho como benefícios da civilização.


Há, de facto, na vida das sociedades modernas uma crise mais grave que a crise da moeda e dos câmbios e do crédito e dos preços e das finanças públicas, mais grave porque é a mãe de todas elas: é a crise do pensamento económico, melhor dito, a crise dos principios formadores da vida económica.


Temos adulterado o conceito de riqueza; o temos separado de seu próprio fim de sustentar, com dignidade, a vida humana; temos feito dele uma categoria independente que nada tem a ver com interesse colectivo, nem com a moral, e temos suposto que amontoar bens sem utilidade social, sem normas de justica na sua aquisição e no seu uso, podia constituir uma finalidade dos individuos, dos Estados e o das nações.


Temos deformado a noção do trabalho e a pessoa do trabalhador. Esquecemos a sua dignidade de ser humano, consideramos só o seu valor de máquina produtora, medimos e pesamos sua energia, e não nos recordamos sequer que é elemento de uma família, e que a vida não está só nele, mas também na sua mulher, nos seus filhos, no seu lugar.


Fugimos mais depressa: disociamos o lugar; utilizamos a mulher e o menino como valores secundários, mais baratos, da producao – unidades soltas, elementos igualmente independentes uns dos outros, sem vínculos, sem afectos, sem vida comum – e destroçamos praticamente a família. De um só golpe desmembramos o núcleo familiar, aumentamos a concorrência de trabalhadores com a mão de obra feminina, e não lhe damos em forma de salário o que corresponde á productividade de uma boa dona de casa e a utilidade social de exemplar mãe de família.


Desligamos o trabalhador do quadro natural da sua profissão: livre dos vínculos associativos, fica só; sem a disciplina da associação, fica livre, mas débil.


Logo consentimos que se agremiassem com outros, e ele o fez, como reação, não para cumprir um fim de solidariedade e consciente da necessidade de coordenar todos os elementos para a obra de produção da riqueza, destino contra alguém ou contra algo: contra os patrões, considerados como classe inimiga, contra o estado, que é a garantia da ordem; até contra outros operários, numa fatal reprecussão das violências e excessos praticados, ou das imposições que, realizadas num sector, desiquilibram ás vezes , e em detrimento dos próprios trabalhadores, os outros ramos da produção. Nem elevação intelectual ou moral, nem aprefeiçoamento técnico, nem instrumentos de previsão, nem espírito de cooperação: só ódio, ódio destruidor.


Empurramos o Estado, primeiro fazia uma passividade absoluta, que não tinha ou não queria ter nada que ver com a organização da economia nacional, e depois fazia um intervencionismo absorvente da produção, da distribuição e do consumo das riquezas. Sempre que o fez, onde queira que o fizesse, frustrou as iniciativas, se sobrecarregou de funcionários, aumentou de um modo desmedido os gastos e os impostos, diminuiu a produção, delapidou grandes somas de riqueza privada, restringiu a liberdade individual, se fez pesado, inimigo insuportável da Nação.


Os que cegamente impelidos pela lógica de seus falsos principios, quiseram chegar até ás ultimas consequências, montaram a maquina com ostentação dos grandes planos, com o rigor aparente da ciência e da técnica mais prefeita, mas o trabalhador livre, o «homem» desapareceu, arrastado pela colossal engrenagem, sem elasticidade e sem espírito, mobilizados os operários como maquinas, ou transferidos como rebanhos, que se levam de uma região porque se consumiram os pastos.


Sim; a crise que sofremos vai certamente passar, mas o essencial é saber se a enfermidade que mina a economia das sociedades modernas será, por fim, atacada, porque se bem é certo que se está consumando ante nossos olhos o processo de democracia e do individualismo, o processo da economia materialista está concluído: tudo falhou.


Temos, pois, vedado esse caminho, e não vejo outro para substituir os graves erros que torceram a visão dos condutores de homens no mundo, por conceitos equilibrados, justos e humanos da riqueza, do trabalho, da família, da associação, do Estado.

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